segunda-feira, 26 de abril de 2010

Favelas farão protesto em frente à Prefeitura

Por Gizele Martins e Ana Lucia Vaz

Na reunião realizada no feriado de Tiradentes, dia 21 de abril, no Morro dos Prazeres, para discutir a ameaça de remoção de algumas favelas, a Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa convocou todos para um ato em frente à Prefeitura, dia 30, às 10 horas. "O prefeito tem que dar explicações", afirma a nota de convocação. Mais de 400 pessoas estiveram presentes no encontro que contou com a participação de muitos outros representantes de favelas que também estão ameaçadas de remoção.

Mas muitos moradores presentes ainda não conseguiam entender o que se passava. “A Defesa Civil foi semana passada na minha casa e interditou ela. Agora eu quero saber o que vão resolver. Estou muito
preocupada, até mesmo porque não entendo nada disso!”, desabafou dona Edna Maria de Oliveira, de 50 anos. “Eu vim aqui porque disseram que vão remover todo mundo. Eu não quero sair daqui”, explicou dona Eleir, que não se cadastrou para pegar cesta básica porque, para ela, com este cadastro “a pessoa deu plenos poderes à prefeitura para derrubar sua casa”. Outra moradora, que não quis se identificar, fez o cadastro mas não sabia dizer o que estava escrito no papel. “Eles entregavam a folha pra gente e diziam:
assina aí e pronto! Tinha que assinar para receber os donativos.”

O pedreiro Raimundo Rodrigues, de 42 anos, morador da Rua Torre Branca, em Rio Comprido, também foi à reunião querendo compartilhar sua experiência de desabrigado e buscar mais informação sobre seus
direitos, na tentativa de permanecer no seu local de moradia. “Assim como os moradores daqui receberam esse laudo para saírem de suas casas o mais rápido possível, eu também recebi, no dia 6 de abril. Interditaram a minha casa e prometeram levar a gente para alguns prédios que eles vão construir no centro do Rio. Mas eu não quero ir para o centro. Próximo de onde eu moro tem outros locais para eles construírem as casas. Ainda disseram que enquanto não levarem a gente para lá, vão pagar um tal de aluguel social.”

Já Valda, há 10 anos morando no Morro dos Prazeres, está disposta a sair de lá. “Estou com medo, minha casa está num lugar de risco”. Ela já recebeu o laudo de interdição da casa, feito à distância. “No dia que eles estavam lá embaixo (os técnicos da Defesa Civil), onde caíram casas, fui falar com eles e eles interditaram minha casa de lá, vendo de longe”. Mas até agora nenhum engenheiro foi à sua casa fazer a avaliação. “Ainda nem fui lá dar entrada no aluguel social. Tem muita gente com medo de pegar o aluguel social. Aí eles vêm, derrubam sua casa e depois? E se não saem as casas que eles estão prometendo?”

“A gente precisa explicar a real situação para a própria favela. Tem pessoas que nem sabem o que é remoção. Além disso, temos que unir nossas forças com outras favelas. Somos a maioria”, afirmou Fabio Leonardo Soares das Neves, de 32 anos. Fabio disse ainda que a Defensoria Pública garantiu que a casa que ele mora não está em situação de risco. “A Defensoria trouxe engenheiros para visitarem as casas e muitas delas não estão com nenhum problema. Algumas delas estão sim, mas a minha, por exemplo, não. E ela foi interditada”.  “Eles estão pensando que a gente é burro!”

Maria Pereira, de 59 anos, costureira autônoma e moradora do Rio Comprido, explicou que as remoções são motivadas pelos interesses imobiliários. “Eles estão querendo é fazer hotéis, eles querem preparar a cidade para a chegada da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Lá onde eu moro tem uma vista linda, minha querida. Eles não me enganam não!”.

Eliane reforça: “Para eles, nós somos analfabetos e burros. Eu posso até ser analfabeta, mas não sou burra! Já estava na intenção deles tirar a gente daqui, antes das chuvas. Aí, eles aproveitaram a tragédia.”

Segundo Carmem Givoni, coordenadora da Associação Equilíbrio Sustentável, localizada no Morro dos Prazeres, a posição do Prefeito Eduardo Paes não é aceitável. “O que o prefeito está fazendo é algo fora da lei. Ele quer colocar no chão o que essas pessoas ficaram anos construindo. Estas pessoas conseguiram o que elas têm hoje com muito esforço, já que elas nunca tiveram direito algum. Essa idéia de remoção já é antiga. Os governantes já queriam fazer isso quando souberam que o Rio teria a Copa e as Olimpíadas. Ele aproveitou essa tragédia para reforçar seu pensamento. O mais cruel é que antes que essas pessoas enterrassem seus mortos, ele já trouxe uma outra avalanche, uma outra tempestade, a de expulsar essas famílias de seus lugares de habitação. E a mídia, apenas reforça isso”.

O Padre Luiz Antonio, da Pastoral das Favelas, concorda com Carmem. Para ele, o que se deve fazer é investir em habitação. “Moradia é um direito sagrado. Queremos casa sim, mas está na lei que essas pessoas precisam ser consultadas sobre isso. Elas precisam aprovar a remoção, é preciso ter acordos.” Ele explica que, pela lei, “nas casa que estiverem ameaçadas, as pessoas têm que ser colocadas em lugares mais próximos de onde moravam, e não jogadas em um lugar onde ela não quer ir”.

"Cada caso é um caso!"

Ao final do encontro, dona Edna se mostrava mais confiante. “O que entendi, é que ninguém pode tirar a gente da nossa casa de uma hora para outra. Só se ela estiver rachada ou caindo. Cada caso é um caso.
Não podem mesmo! O que pretendo fazer agora é ir mais nessas reuniões para saber mais sobre tudo isso. Minha casa é pequena, mas foi o que construí, né?! O que eu acho é que eles têm que dar moradia para quem realmente precisa, e tem muita gente precisando. E se tiver que remover mesmo todo mundo, que eles deixem a gente próximo do nosso lugarzinho”.


Já Valda, ansiosa para deixar sua casa, continuava insatisfeita. “A coisa está assim: um puxa de cá, outro puxa de lá e nós… enquanto isso a rede fica fora d’água e os peixes vão morrendo tudo secos. Quero ver o que vai ser quando houver outra chuva!” Mas Valda reconhece que a maioria não quer sair do Morro.

Dona Eliane, que teve a casa interditada e já recebeu a visita do engenheiro que fez a avaliação de sua casa, estava indignada. “Eu pago IPTU, água, luz, pago tudo.” Sobre a promessa de um condomínio na Frei Caneca? “Não quero saber! Morar num pombal, todo mundo amontoado? Tenho uma casa boa, aqui. Se for para eu sair, eles vão ter que me dar outra casa onde eu escolher!”

O problema de moradia, no Rio de Janeiro, não tem solução simples. E saídas autoritárias, que desconsideram o diálogo com os moradores, sempre criaram mais problemas que soluções. Ouvindo moradores de diferentes comunidades, a sensação não é de que a Prefeitura do Rio de Janeiro não sabe que seu método não resolve o problema. A triste impressão é de que a preocupação não é mesmo resolver o problema de moradia.

Enquanto isso, o Borel que espere

Na Zona Sul, os laudos saem rápido e as casas são pixadas para indicar interdição, independente da vontade de seus moradores e sem qualquer negociação ou diálogo. Segundo Eliza Rosa Brandão, presidente da Sociedade de Amigos do Morro dos Prazeres, os laudos estão sendo dados sem nenhum critério. “Eles montaram uma tendinha no Morro e, quem ia lá, se auto-interditava” , desabafou, indignada.

Enquanto isso, no Borel, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde ninguém falou em remoção da favela, os moradores que querem deixar suas casas, ou às perderam, têm que protestar para conseguir o laudo que dá direito ao aluguel social. Uma semana antes da reunião no Morro dos Prazeres, os desabrigados do Borel precisaram fechar o Ciep para obrigar a prefeitura a produzir os laudos.

O ato teve ampla cobertura da mídia. Segundo alguns desabrigados, no mesmo dia a defesa civil chegou lá e, em dois dias, todos os laudos das casas de quem estava no Ciep foram produzidos. Mas, segundo Roberta, presidente da Associação de Moradores do Borel, esta semana a Defesa Civil não voltou à favela.
“Eles estão resolvendo o problema de 51 famílias, que estão no Ciep. Mas são 280 casas ameaçadas!”, desabafa. “O pessoal que está na comunidade, mas arranjou casa de parente ou amigo pra ficar, já está falando em fazer protesto, parar a Conde de Bonfim… Estão achando que só assim as coisas andam!”, alerta a diretora da Associação.

Quinta-feira, dia 22, os abrigados no Ciep do Borel voltaram a protestar, desta vez em frente à Prefeitura, pela liberação dos aluguéis. No mesmo dia começaram a receber os chegues no valor de 1200 reais, relativo a três meses de aluguel. Mas não conseguem encontrar casa para alugar, dentro da favela ou nas imediações. Há uma unanimidade entre moradores do Borel e dos Prazeres: “por este valor, só dá para alugar casa que estão em risco”.

Ao final da reunião no Morro dos Prazeres foi decidido que no dia 30 de abril, às 10h, será feito um protesto "Contra as Remoções" em frente a Prefeitura!

www.favelaemfoco.wordpress.com

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