quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A MEDALHA CAIU

Retransmito aqui o texto do delegado Alexandre Neto, publicado ontem no jornal O Globo.



A tragédia que se abateu sobre o Rio pré-olímpico já era anunciada e, por sorte, não se deu antes de sermos escolhidos como sede desse próximo evento esportivo internacional. Mas ela se deve, sobretudo, ao empirismo de nossas forças policiais e à hipocrisia repetitiva de nossos políticos e governantes, que repudiam a transparência nos serviços públicos e apostam na opacidade da Administração para se manterem no poder e no centro das decisões de nossas vidas, de nossa cidade e de nosso estado. A prova disso é que, recentemente, duas leis aprovadas pela ALERJ, de importante interesse público, acabaram vetadas pelo Chefe do Executivo Estadual, demonstrando assim esse grau de estrabismo.

A primeira, obrigava a instalação de câmeras em todos os carros oficiais das forças de segurança do estado, aí se incluindo a Polícia Civil, a Polícia Militar o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. O Executivo entendeu que tal projeto de lei se afigurava “preconceituoso” para com os policiais, como se tal “preconceito” não existisse e fosse obra da imaginação do idealizador do projeto.

A segunda, tratava da extinção das chamadas “centrais de flagrante”, onde delegados de polícia e seus agentes, sem qualquer remuneração correspondente, acumulam toda a demanda de autos de prisão em flagrante ocorridos em uma determinada área geográfica do estado, em total desobediência à lei, mas em estrita obediência a um simples ato administrativo (Portaria PCERJ nº 035/96), impondo também inconteste sacrifício aos policiais militares envolvidos nas ocorrências policiais, os quais são obrigados a deixar suas áreas de patrulhamento ostensivo para se dirigirem a circunscrições diversas de onde se deram os fatos, a fim de submetê-los à apreciação da competente autoridade policial. Enfim: não há política de segurança pública, mas apenas decisões políticas na área de segurança.

A queda desse helicóptero é resultado da habitual e contumaz capacidade de improvisação de nossas forças policiais no combate ao crime, pois é nesse diferencial que comandantes e delegados de polícia colhem seus frutos de prestígio pessoal e profissional, escolhendo a dedo as suas “equipes”, sempre aptas para todo o tipo de “serviço”. Qualquer força de segurança no mundo jamais autorizaria a incursão de uma aeronave inadequada (sem blindagem apropriada) numa área conflagrada e munida de armas de grosso calibre, prontas para abatê-las caso os marginais se vissem acuados pelo Poder Público. A previsibilidade é latente. E esse é um fator que não se pode desprezar, em hipótese alguma.

Por outro lado, os nossos “serviços de inteligência” ainda dependem, na ponta, de policiais despreparados e, muitas das vezes, envolvidos com o próprio crime que deveriam combater, daí resultando o fracasso de algumas operações, consoante vazamentos noticiados pela imprensa.

Mas o fato é que os governos de nosso estado - tanto os que já se passaram, como o atual – não se preocupam muito com a segurança pública cotidiana, pois sabem muito bem que qualquer evento internacional que ocorra em nossa cidade, além do seu caráter breve e passageiro,  receberá o total apoio da União, com emprego maciço das Forças Armadas e da própria “Força Nacional de Segurança”, que findam por amealhar o verdadeiro “legado” do acontecimento, cabendo às Polícias Civil e Militar as “migalhas” do evento, pois nossos governantes apostam na descartabilidade dos policiais que se aventuram no combate ao crime, tal qual ocorre no tráfico de drogas. Assim foi com os jogos Panamericanos, com a ECO 92 e com outros encontros internacionais sediados em nossa Cidade Maravilhosa.

 A nossa incapacidade de gestão já está por demais comprovada com o chamado “Projeto Delegacia Legal” e até com o “IML Legal”, cuja inauguração foi sistematicamente postergada, sendo certo que os esquemas envolvendo o superfaturamento de tal projeto ainda se encontram em andamento na Justiça Federal, pois os nomes coroados ainda permanecem impunes.

Assim, a anunciada “resposta à altura” haverá de ser dada, primeiramente, às polícias estaduais, até porque com o que se tem à disposição delas muito pouco se pode fazer, pois tal “resposta” continuará implicando em novos sacrifícios e improvisações por parte dos órgãos de segurança e seu pessoal. A luta se dá entre os “jagunços” do estado e os “cangaceiros” do tráfico.

Em suma: a medalha caiu. Dois verdadeiros atletas do Olimpo deram suas vidas e foram desclassificados pelo próprio estado. Até as Olimpíadas, quantos outros atletas verdadeiros ainda serão eliminados?

Rio de Janeiro, 19 de Outubro de 2009.

Alexandre Neto
Delegado de Polícia no RJ

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